quarta-feira, 18 de junho de 2008

CHUVA MIÚDA*
''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
Há esta chuva adormecendo o mundo, atravessando o meu peito ressequido.
Pinga na terra, pinga na minha dor da tua ausência, pinga tudo.
Um torpor que molha o coração e as faz recolher para o interior do meu quarto.
Sou eu este murmúrio de silêncio, sou eu a terra alagada túrgida, este exudado da terra virgem, um corpo amado à beira da vertigem, um momento que a chuva chora e se sente na pele ainda agora.
Sou eu o esvoaçar das aves imprudentes que rompem a bruma em voos rasantes.
Sou o murmúrio esquecido das fontes porque neste dia a chuva lança no meu peito um manto de chuva e silêncio. Se alguma paz no mundo houver, serei eu a sua semente plantada em cada ventre de mulher porque... no meu olhar permanecem ainda dois corpos reclusos na luz da aurora, despertando em alagados silêncios e a chuva como lençol único, imenso, um murmúrio de mãos que se estendem e o calor derramado pelo leito, um estio ali desfeito ali nutrido, no refúgio onde as feras apaziguam seus medos.E porém as palavras não tangem sequer de perto o tempo dos amantes que ondeia numa praça sem nome, uma praça numa cidade meridional cheia de gente onde o amor sangrou as fontes e um homem e uma mulher foram um só grito, uma só semente. As palavras nunca resumem o perfume dos corpos quentes tatuados de estrelas nas noites cintilantes.
Apenas o silêncio resplandece de aromas quando um homem e uma mulher se tocam e se fazem uma só cor numa só pele. Nuvens de algodão sereno, cascatas de luz nos sentidos, quando um corpo verte noutro todo o seu ser em forma de fluidos.Sim, tudo hoje em mim está suspenso, menos estes vestígios que recolho e sob a chuva miúda cantando purifico. O amor é este apaziguamento do mundo no interior dos nossos olhos.
Uma chuva de silêncio nas ilhas encantas mudas onde o olhar se prende.Viver num dia assim os vestígios intemporais do amor é deixar o mundo seguir lesto no seu rumo sem sentido, sem erguer diques para contê-lo. Soltar a voz e deixá-la enrouquecer de paixão, cobrindo a nudez dos dias com um manto de pureza, belo.É decantar na chuva o pensamento, viver nos intervalos da memória e planar assim no rumor do silêncio, ser a própria chuva que nos vidros rola, ser o espírito do amor em bátegas leves, mudas e inquietas, de um coração que outro aflora.
__________________
...ªª@rthur@raújo*

Nenhum comentário: